Especial 124 anos, publicado em 23 de ago de 2017.

A participação feminina na Escola Politécnica da USP

Notícia publicada em 23 de agosto de 2017.

A Engenharia foi e ainda é um meio predominantemente marcado pela presença masculina. Apesar dos dados demonstrarem que muito ainda precisa ser feito no campo da igualdade de gênero dentro da profissão, avanços não devem ser ignorados. Pensando nisso, a Escola Politécnica (Poli) da USP, para comemorar seus 124 anos de existência, resolveu prestar uma homenagem às primeiras mulheres da Poli. Conheça as pessoas que estiveram à frente de seu tempo e foram arrojadas  e abriram caminho a muitas outras mulheres no campo da Engenharia:

Recepção aos calouros – Escola Politécnica. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A Poli recebeu suas primeiras alunas-ouvintes em 1899 e 1905

A presença feminina nos cursos de Ensino Superior no Brasil foi citada em documento legal em 1879, no Decreto de número 7.247, apesar das instituições voltadas à graduação estarem presentes no país desde 1808.

A Escola Politécnica, fundada em 1893, teve sua primeira aluna ouvinte mulher em 1899, Eunice Peregrino Caldas. Após ela, a Poli só teria outra em 1904, Alicina Maria Moura, de apenas 15 anos. As informações a respeito de Moura são poucas, mas sabe-se que ela assistia às aulas de Engenharia Civil e posteriormente mudou para o curso de engenheiros arquitetos.

Conheça um pouco mais sobre a primeira professora titular da Poli

Maria Cândida Reginato Facciotti foi a primeira mulher a obter o reconhecimento de professora titular da Escola Politécnica após ser aprovada em um concurso de substituição de vaga do docente aposentado Willibaldo. Chegou a exercer a chefia do Departamento de Engenharia Química (PQI) de 2004 a 2008.

O fato ocorreu em 2000, três anos depois da conquista do título de livre-docência de Facciotti. O acontecimento colocou a Poli como a última faculdade da USP a ter uma mulher como professora titular da instituição.

Filha de Berenice Gonçalves Reginato, formada em matemática e física pela USP, e do politécnico Jordão Reginato, Facciotti desde cedo teve contato com as ciências exatas e tinha a Química como seu assunto de maior interesse.

Apesar da Engenharia Química ser o curso com a maior inserção feminina na Poli, a então estudante foi a única mulher de sua turma. Ainda durante a graduação, ganhou o prêmio Gestão Vidigal por possuir a maior média da matéria de Economia de toda a Poli.

Recepção aos calouros – Escola Politécnica. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Primeira mulher a ser formar na Poli em 1924

A primeira engenheira formada na Escola foi Anna Frida Hoffman, que concluiu sua graduação em Engenharia Química em 1928 e posteriormente foi funcionária do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

A primeira mulher chefe de Departamento da Poli foi eleita em 2003

Inés Pereira foi a segunda docente titular e a primeira chefe de Departamento da Poli. Ela chefiou o Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos (PSI) de 2003 a 2007.

Pereira nasceu na Argentina e se formou em Física na Universidad de Buenos Aires (UBA). Durante a sua época de mestrado, o país passava por um conturbado momento político, e as bolsas de estudos e investimentos na área de pesquisa tecnológica não eram prioridades do Estado naquele momento.

Durante três anos, trabalhou no Instituto Nacional de Tecnologia (INTI) da Argentina e ajudou a desenvolver um laboratório de microeletrônica no local. Porém, devido à crise política, ela teve que partir para os Estados Unidos, onde pôde concluir seu doutorado e seu pós-doutorado. Lá, conheceu os docentes da Poli Carlos Américo Morato de Andrade e Harmut Richard Glaser. Juntos, eles formaram uma equipe para trabalhar na pesquisa e desenvolvimento de células solares.

A partir de então, Pereira mudou-se para o Brasil e começou sua trajetória acadêmica na Escola, tornando-se a primeira livre-docente em 1995 e a segunda professora titular em 2001.

Atualmente, a vice-diretora da Poli é a primeira mulher a exercer um cargo de diretoria na Escola

Exercendo o cargo de vice-diretora da Poli desde 2014, Liedi Légi Bariani Bernucci lembra que fazia parte de um grupo de 29 mulheres dentro de sua turma na Poli em 1977. Ela chegou a cursar Geologia na USP, mas seu sonho falou mais alto. “Minha vontade maior era cursar Engenharia Civil. Decidi fazer um novo vestibular, ganhei uma bolsa no cursinho Universitário e passei na Escola”, conta.

Com relação à graduação, Bernucci só tem elogios à Poli. “Tive grandes professores que foram muito marcantes na minha vida, pois me deixaram não só conhecimento mas também ética nas escolhas profissionais”. Contudo, ela não se esquece de alguns episódios mais marcantes. “Eram bastante comuns os comentários sobre mulher. Mas isso não me desmotivou”.

A vice-diretora iniciou a pós-graduação em 82, e no ano seguinte já havia sido selecionada para passar um ano na Escola Politécnica Federal de Zurique, na Suíça. Ao voltar, em 86, foi contratada como auxiliar de ensino.

Sua carreira acadêmica se confunde com a carreira de docência, uma vez que logo ao se tornar doutora, ela começou a coordenar o Laboratório de Tecnologia de Pavimentação (LTP), hoje centro de referência sobre o tema no Brasil. Se tornou livre-docente em 2001 e titular cinco anos depois.

Bernucci, que já foi chefe de Departamento em quatro gestões, conta que a oportunidade de fazer parte da Diretoria da Poli surgiu repentinamente, mas foi engrandecedora.

Professora da Escola integrou equipe que projetou e construiu o primeiro computador do Brasil

Considerado o primeiro computador totalmente desenvolvido e construído no Brasil, o Patinho Feio, como ficou conhecida a máquina, foi fruto de um projeto do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais (PCS) coordenado pelo professor Antônio Hélio Guerra Vieira, ex-reitor da USP.

Integrando a equipe do projeto, a docente Edith Ranzini foi uma entre as quatro mulheres contribuintes. Além da criação do computador, ela também foi responsável por implantar no PSI o curso de Engenharia Elétrica, opção Engenharia de Computação.

Ela conta que, entre os 360 colegas de sua turma, apenas 12 eram mulheres. Contudo, acredita que fazer parte da minoria nunca foi motivo para ser discriminada ou subjugada. “Não existe essa história de que, pelo fato de ser mulher, uma pessoa é engenheira ou professora de segunda categoria”, defende.

Ranzini, agora aposentada, passou a integrar o corpo docente da Escola em 1971 e se aposentou em 2003, mas continua contribuindo com a Poli. Foi presidente da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE) e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC).

O número de docentes mulheres está aumentando

Em 2004, durante o lançamento do livro “Mulheres Politécnicas: Histórias e Perfis”, obra escrita por Eni de Mesquita Samara e Maria Cândida Reginato Facciotti em comemoração dos cento e dez anos da Escola, a quantidade total de docentes mulheres na Poli era 43. Menos de dez por cento de um total de 470 professores. Atualmente, esse número cresceu para 57 mulheres professoras. Quase 13% do corpo docente já é composto por elas.

Liderar pelo exemplo

Sobre a participação feminina nas engenharias, a vice-diretora da Escola acredita que o resultado é maior quando há exemplos de conduta, de sucesso na conjugação de uma vida pessoal e profissional. Alguns exemplos ilustram bem para as jovens o que é possível. “Se as mulheres de gerações anteriores tiveram uma carreira de sucesso na Engenharia, isto é possível também para elas. Não é uma questão de fazer uma campanha para que mais mulheres sejam engenheiras, mas sim de possibilitar que as pessoas façam aquilo que elas têm talento, que elas gostam, tem facilidade, e se sintam bem desempenhando”.

Liedi acredita que todos devem ter liberdade para escolher suas profissões baseadas em suas aptidões, independente de gênero. “E não por que houve preconceito, ou porque as pessoas falam que uma carreira não é para uma mulher. As pessoas devem escolher suas atividades pelo seu talento nato. Ter exemplos de mulheres que seguiram a Engenharia, e tem sucesso em sua carreira, é muito mais forte do que tentar aumentar a porcentagem de alunos”.

A vice-diretora explica que não há uma meta em termos de porcentagem de alunas a ser perseguida. “Seja 60% de mulheres, ou 20%, ou 30%, o que esperamos é que as pessoas possam seguir os seus sonhos, e se realizem profissional e pessoalmente. Que os jovens façam livres escolhas, pautadas nos seus talentos, nos seus ideais de vida, naquilo que acham que será útil para sociedade, tendo em vista esses exemplos que ilustram quais são as suas possibilidades”.

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